terça-feira, 23 de março de 2010

Sobre o Poeta



O Poeta tem o poder de restituir o coração humano de suas perdas.
Suas palavras caem diante dos meus olhos, penetrando meu entendimento e com elas me identifico.
Olho para elas e reconheço o meu sentir solitário, nunca antes partilhado e agora tão exposto ali, contado para todo mundo.
Quem levou a ele notícias minhas?
Quem lhe revelou meus segredos?
Quem lhe falou de mim com tanta propriedade?
É que o poeta tem livre acesso ao sentimento do mundo. Entra quando quer e sai quando lhe convém. Transita entre nós, mas não pode ficar.
Apenas passa, porque não foi feito para o definitivo.
Sua poesia o leva e não o permite estabelecer morada. Por isso é tão difícil acorrentá-lo. Ele fica sem estar. Ele vai sem ir. Ele vem sem vir. E fala sem dizer. Apropria-se de outras existências e delas faz a matéria de sua poesia, grão de seu verbo e a raiz de seu pronome. Somos o seu experimento. Sua fala ainda em estado de repouso. Somos seus livros ainda não escritos, seus discursos ainda não pronunciados, seus amores ainda não provados.
Olha-nos e disseca-nos. Depois nos descreve, nos revela e nos emociona..
Com seu poder de palavra nos confunde e com seu poder de silêncio nos clareia e desperta.
Fica nas esquinas lendo as palavras dos corpos que passam identificando a linguagem não conceitual dos olhares e das bocas emudecidas
Possui os códigos que dão acesso aos interiores inacabados da natureza humana, onde a dor é apenas dor e a alegria é apenas alegria.
Sulca com propriedade os mais recônditos e obscuros espaços do olhar alheio.
No exercício de sua arte milenar, retira da matéria bruta da vida, o diamante até então desconhecido.
O poeta revela o obvio com nuances de cores pouco tocadas
Olha e consegue ver no muro o poema que há séculos estava ali, mas ninguém havia visto antes.
Passa pelos mesmos lugares, anda pelas mesmas ruas, prova os mesmos odores, os mesmos sabores que os homens comuns, mas o faz de um jeito único e singular.
Anda nos mesmos bondes e trens, mas não volta para casa sem o registro de cada despedida, que comovido presenciou nas estações.
O Poeta tem o coração ancorado no desassossego, não sabe parar, não sabe não querer sofrer.
Anda pelas ruas da cidade recolhendo as falas ainda não ditas, recolhendo as saudades não sofridas e depois volta para casa para chorar as dores que não são suas e rir os risos que não são seus.
Esse ladrão existencial só descansa depois de dar à luz as palavras que compõe o poema. Poema que descreve de forma minuciosa as dores de um rosto que ele nem mesmo sabe o nome.

Meu amigo anjo, pe Fábio de Melo

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