sexta-feira, 16 de julho de 2010

Se Puder Sem Medo...



Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim o meu verdadeiro abrigo
Deixa a luz do quarto acesa a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio
Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo
Deixa tudo que lembrar eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando atrás a porta
Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa
Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora a dor no coração se expande
Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência
Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila
Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa a dor que eu lhe causei agora é toda minha
Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente mas eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava...

Oswaldo Montenegro

Um comentário:

  1. Metade (Oswaldo Montenegro)

    Que a força do medo que tenho
    não me impeça de ver o que anseio
    que a morte de tudo em que acredito
    não me tape os ouvidos e a boca
    pois metade de mim é o que eu grito
    a outra metade é silêncio.

    Que a música que ouço ao longe
    seja linda ainda que tristeza
    que a mulher que amo seja pra sempre amada
    mesmo que distante
    pois metade de mim é partida
    a outra metade é saudade.

    Que as palavras que falo
    não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
    apenas respeitadas como a única coisa
    que resta a um homem inundado de sentimentos
    pois metade de mim é o que ouço
    a outra metade é o que calo.

    Que a minha vontade de ir embora
    se transforme na calma e paz que mereço
    que a tensão que me corrói por dentro
    seja um dia recompensada
    porque metade de mim é o que penso
    a outra metade um vulcão.

    Que o medo da solidão se afaste
    e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
    que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
    que me lembro ter dado na infância
    pois metade de mim é a lembrança do que fui
    a outra metade não sei.

    Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
    pra me fazer aquietar o espírito
    e que o seu silêncio me fale cada vez mais
    pois metade de mim é abrigo
    a outra metade é cansaço.

    Que a vida me aponte uma resposta
    mesmo que ela mesma não saiba
    e que ninguém a tente complicar
    pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
    Que a minha loucura seja perdoada
    pois metade de mim é amor
    e a outra metade também

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