quarta-feira, 31 de março de 2010

Saber Viver ( Cora Coralina )





Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar

terça-feira, 30 de março de 2010

Simples assim!



...Me perderia novamente em seu olhar e não faria questão de voltar....

segunda-feira, 29 de março de 2010

Não sei quantas almas tenho



Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

terça-feira, 23 de março de 2010

Sobre o Poeta



O Poeta tem o poder de restituir o coração humano de suas perdas.
Suas palavras caem diante dos meus olhos, penetrando meu entendimento e com elas me identifico.
Olho para elas e reconheço o meu sentir solitário, nunca antes partilhado e agora tão exposto ali, contado para todo mundo.
Quem levou a ele notícias minhas?
Quem lhe revelou meus segredos?
Quem lhe falou de mim com tanta propriedade?
É que o poeta tem livre acesso ao sentimento do mundo. Entra quando quer e sai quando lhe convém. Transita entre nós, mas não pode ficar.
Apenas passa, porque não foi feito para o definitivo.
Sua poesia o leva e não o permite estabelecer morada. Por isso é tão difícil acorrentá-lo. Ele fica sem estar. Ele vai sem ir. Ele vem sem vir. E fala sem dizer. Apropria-se de outras existências e delas faz a matéria de sua poesia, grão de seu verbo e a raiz de seu pronome. Somos o seu experimento. Sua fala ainda em estado de repouso. Somos seus livros ainda não escritos, seus discursos ainda não pronunciados, seus amores ainda não provados.
Olha-nos e disseca-nos. Depois nos descreve, nos revela e nos emociona..
Com seu poder de palavra nos confunde e com seu poder de silêncio nos clareia e desperta.
Fica nas esquinas lendo as palavras dos corpos que passam identificando a linguagem não conceitual dos olhares e das bocas emudecidas
Possui os códigos que dão acesso aos interiores inacabados da natureza humana, onde a dor é apenas dor e a alegria é apenas alegria.
Sulca com propriedade os mais recônditos e obscuros espaços do olhar alheio.
No exercício de sua arte milenar, retira da matéria bruta da vida, o diamante até então desconhecido.
O poeta revela o obvio com nuances de cores pouco tocadas
Olha e consegue ver no muro o poema que há séculos estava ali, mas ninguém havia visto antes.
Passa pelos mesmos lugares, anda pelas mesmas ruas, prova os mesmos odores, os mesmos sabores que os homens comuns, mas o faz de um jeito único e singular.
Anda nos mesmos bondes e trens, mas não volta para casa sem o registro de cada despedida, que comovido presenciou nas estações.
O Poeta tem o coração ancorado no desassossego, não sabe parar, não sabe não querer sofrer.
Anda pelas ruas da cidade recolhendo as falas ainda não ditas, recolhendo as saudades não sofridas e depois volta para casa para chorar as dores que não são suas e rir os risos que não são seus.
Esse ladrão existencial só descansa depois de dar à luz as palavras que compõe o poema. Poema que descreve de forma minuciosa as dores de um rosto que ele nem mesmo sabe o nome.

Meu amigo anjo, pe Fábio de Melo

domingo, 21 de março de 2010

"Pequeno Tratado sobre a Mortalidade do Amor"





Todos os dias morre um amor. Quase nunca percebemos, mas todos os dias morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas piores novelas mexicanas, com direito a bate-bocas vexaminosos, capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos. Morre em uma cama de motel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de lágrima nos lábios. Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez mais concisas, beijos que esfriam aos poucos. Morre da mais completa e letal inanição.

Todos os dias morre um amor. Às vezes com uma explosão, quase sempre com um suspiro. Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria do que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais dolorido do que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor morreu. Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida sempre nos ensina alguma coisa. E esta é a lição: amores morrem.

Todos os dias um amor é assassinado. Com a adaga do tédio, a cicuta da indiferença, a forca do escárnio, a metralhadora da traição. A sacola de presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o silêncio ensurdecedor depois de uma discussão: todo crime deixa evidências.

Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, feito Lee Harvey Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem se esconder debaixo da cama, ao lado do bicho-papão. Outros confessam sua culpa em altos brados, fazendo de penico os ouvidos de infelizes garçons. Há aqueles que negam, veementemente, participação no crime, e buscam por novas vítimas em salas de chat ou pistas de danceteria, sem dor ou remorso. Os mais periculosos aproveitam sua experiência de criminosos para escrever livros de auto-ajuda com nomes paradoxais como O Amor Inteligente ou romances açucarados de banca de jornal, do tipo A Paixão Tem Olhos Azuis, difundindo ao mundo ilusões fatais aos corações sem cicatrizes.

Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.

Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos, sexo sem tesão. Estes não querem ser sacrificados, e, à semelhança dos zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos, definhando paulatinamente até se tornarem laranjas chupadas.

Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que recordarão até o fim de seus dias o sorriso daquela ruivinha da 4ª série, ou entre fãs que ainda suspiram em frente a um pôster do Elvis Presley (e, pior, da fase havaiana). Mas titubeio em dizer que isso possa ser classificado como amor (bah, isso não é amor; amor vivido só do pescoço pra cima não é amor).

Existem, por fim, os amores-fênix. Aqueles que, apesar da luta diária pela sobrevivência, das contas a pagar, da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, da TV ligada na mesa-redonda ao final do domingo, das calcinhas penduradas no chuveiro e das brigas que não levam a nada, ressuscitam das cinzas a cada fim de dia e perduram - teimosos, e belos, e cegos, e intensos. Mas estes são raríssimos, e há quem duvide de sua existência. Alguns os chamam de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas. Mas não quero acreditar nisso.

Um dia vou colocar um anúncio, bem espalhafatoso, no jornal.

PROCURA-SE: AMOR-FÊNIX
(oferece-se generosa recompensa) Alexandre Inagaki
... Uma das coisas mais lindas que recebi .........

sábado, 20 de março de 2010

Com licença poética ( Adélia Prado)





Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Alma é aquela parte que quando ferida, sangra com lágrima...


Vem como vento, transforma minha calmaria em tempestade... Leva para longe a rotina que me devora...

Lês meus sentimentos de olhos fechados... Eles têm suas nuances, tranparências, sua leveza e doçura... Revolvo-te apenas...
Quando sinto sede sua, entorno em mim seus cântaros cheio de versos e de sua poesia líquida...
E tua alma que de tão grande, não cabe no corpo... deixa sentimentos à flor da pele... escorrendo as sobras em melodias...

Que o meu suspiro seja o tragar da minha alma que tenta fugir de mim.

Vagam em mim sentimentos.. que têm portas abertas e se libertam quando os exorciso com minhas lembranças
Vagam em mim versos prontos... sorva-os, enquanto me sondas
Agarro-me às sobras e fiapos para vencer o desejo intenso de despertar, que incita a um salto para dentro do meu silencio....

Me encontrastes em meu deserto, afogando-me em ausências... arrancou-me do inferno com palavras de quem devolve a vida...
Sou tão visível quanto o vento... mas posso ser sentida em movimento, quiçá mesmo parada quando roubo teu perfume..

Estou por aqui sempre....
Rosa nua sem pétalas de tanto bricar de bem me quer...

Anjo de asas claras. Caminha sem ser notado na palidez do dia, entre a chuva fina e névoa úmida...Sempre estou segura sob as sombras de tuas asas....

Voe como pássaro livre.. sempre terás meu coração para pousar...

segunda-feira, 8 de março de 2010

Ser


Posso ser um rosto que não se pode esquecer
Um traço de prazer ou arrependimento
Posso ser um tesouro ou
O preço que se tem de pagar

Posso ser a canção que o verão canta
Posso ser o arrepio que o outono traz
Posso ser cem coisas diferentes
no período de um dia

Posso ser a bela ou a fera
Posso ser a fome ou a fartura
Posso transformar cada dia
em paraíso ou inferno

Posso ser o espelho dos seus sonhos
Um sorriso refletido em uma correnteza
Posso não ser o que parece

Posso sempre parecer feliz na multidão
Meus olhos podem ser tão reservados e tão orgulhosos
Ninguém pode vê-los
Quando eles choram

Um amor que não posso esperar que volte
Pode vir a mim de sombras do passado
Que eu vou lembrar ate o dia em que eu morrer
Pode ser a razão pela qual eu sobrevivo
O porque de eu estar viva:
- minhas lembranças...